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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Crónicas Agudas - O Céu a Seu Dono



Este ano vou pôr o Menino Jesus à janela. Apesar de não ser muito dado a estes números. A fé não se pendura, prova-se, mais incoerência menos fraqueza. Brilhe a vossa luz no meio dos homens de modo a que vendo as vossas boas obras, obras, glorifiquem a Vosso Pai que está nos Céus, e assim. Mas este ano, vou pendurá-l'O, não só por amor ao Menino, mas também por raiva. Lá está. Raiva também, I'm afraid. A fraqueza.
Tudo começou na quarta classe. A professora mandou cada um fazer um trabalho manual, e eu fiz uma ponte sobre o Tejo, na altura ainda era Salazar, tal a minha idade, com tábuas e pregos e cordel. A professora adorou, o que foi óptimo, e o Coiso também, o que foi péssimo. Coiso, porque não me lembro de como se chamava, memória selectiva seguramente, protecção anti-trauma. O Coiso era um Chato. Era muitíssimo mais velho que nós, e tinha fama de ser o maior nos trabalhos de manuais, ao contrário de mim, que era péssimo nos acabamentos e costumava apresentar as coisas mal amanhadas, tinta e cola à vista, e esquadria mais que obtusa, desilusão da professora, ah, se tu quisesses. Mas sobretudo, a fama que tinha servia-lhe para se apropriar da fama dos outros, que nem cuco amante de ninhos quentes. E logo ali se apropriou da minha ponte, aquele meu trabalhinho que por uma vez tinha corrido tão bem, e começou a vomitar sugestões que logo a transformariam na Ponte de Vila Franca, ou pior. Pior, a Professora concordava. Mas eu não. Entrei de pitons e garanti a tutti quanti que na minha ponte ninguém se atravessava. O céu a seu dono. Só de raiva. Morde aqui a ver se eu deixo. Tunga, tameim le dice.
Mas isto tudo a propósito do Pai Natal. O Pai Natal é o caso típico do ex-empregado que tem mais sucesso que o ex-patrão. O Pai Natal não seria ninguém se o Menino Jesus não tivesse nascido. Ainda estaria a ordenhar renas na Lapónia, era de origens humildes, e lá como cá o povo é quem mais ordenha. Nascido o Menino, porém, a sua vida mudou. Aos poucos e poucos, foi-se aproveitando do pouco apego do Menino aos bens materiais para começar a oferecer bonecas e comboínhos à rapaziada, com isso lhes granjeando as boas graças. Fast forward, e a Coca-Cola topa-o, arranja-lhe uma farpela catita e aqui o temos com o visual que lhe conhecemos hoje, com aquele Ho-Ho-Ho que adoptou duma vez que se engasgou com um osso de peru. A coisa foi correndo, o homem foi fazendo o que lhe mandavam, basicamente vendeu-se ao mercado, e hoje é basicamente o Mike Melga de PPRs, hambúrgueres, automóveis, telemóveis e até brinquedos. Quanto às entregas da noite de Natal, já não estão a seu cargo, por manifesta falta de tempo e insuficiência renal, sendo agora da responsabilidade da DHL, que leva a carta a Garcia com muito mais eficácia e rapidez.
Tudo isto para dizer que me chateia a usurpação de identidades. Quando vejo o Pai Natal, peito cheio de ar a trepar pela caleira, passo-me. Se és comunista, pendura o Che com um certo orgulho. Se budista, o Buda. Se és americano e/ou Director de Marketing, vai para o diabo que te carregue e leva o Pai Natal contigo. A ponte é minha, o Menino Jesus é meu, e só empresto a quem não pedir um berbequim em troca.