odalailima@gmail.com






sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Crónicas Agudas do Baú



Polícias


Para engrandecer o texto, ctrl +
Hoje vou falar do aumento da tensão nas forças da ordem.
Eu gosto de polícias. Primeiro, estão cada vez mais simpáticos e apresentáveis, embora eu tenha saudades dos da minha infância, de barrigão e bigodaça (recordo com especial ternura o Cara-de-Bébé e o Barriga-de-Areia). Depois, porque têm imensa graça quando ficam tensos ao serem apanhados em falso. Outro dia, por exemplo, quis tirar o carro e estava bloqueado por outro. Um clássico tuga. Só que desta vez era a polícia. Esfreguei as mãos de contente, antes de as aplicar a fundo sobre a buzina. Esperei um pedaço, e de repente salta da porta em frente, esbaforida, a polícia. Ou, mais precisamente, uma mulher-polícia. Para além da farda, percebia-se que o era pelo ar de culpada, ao contrário do tuga vulgaris que vem com toda a calma. Até senti pena quando mandei a frechada, com requintes de malvadez: «Isto é o que se chama ter de chamar a polícia!» Por um momento fugaz, riu-se, mas rapidamente retomou o domínio de si, envergonhada por extravasar emoção junto de um humano. Pediu desculpa entre dentes, e levantou âncora.
A outra história ainda é melhor. Uma colega de pé pesado levava-me uma vez de boleia num fim de sexta de inverno e vendaval, na tentativa impossível de resgatar a minha mota da oficina antes das sete. Generosa como era, até no buço, arrancou em primeira a fundo ao abrir o semáforo do lado, que não o nosso. Fomos logo parados pelo guarda que coadjuvava as luzes. Comecei logo a dar música, que é sabido amansar as feras, até ao finale con brio: «Nós somos colegas, sabe? E ela nunca arranca no vermelho, foi só para me ajudar a chegar a tempo.» Os céus abriram-se, um sorriso aflorou aos lábios do agente, e aos da gente, e deixou-nos seguir. Mas ainda me perguntou, com ar cúmplice, se assim me posso exprimir: «O colega em que esquadra é que está?» Quando lhe expliquei de quem é que eu era colega, dela, que não dele, foi-se o sorriso, e o rosto ficou mais tenso que os cabos da ponte sobre o Tejo. E foi lindo. Nunca mais hei-de esquecer aquele rosto próximo da apoplexia.
Gosto muito de polícias, especialmente quando os apanho com a boca na botija.